quarta-feira, 18 de abril de 2007

Festinha particular


Por Henrique Araújo

Não se isole dos demais, seja solidário e, caso a tia velha lhe estenda a mão, apanhe-a ainda no ar, cortês, e a devolva sutilmente com um beijo impresso no dorso – assim disse mamãe antes da festa, do peru, da estranha mulher com uma espécie de serpente guarnecendo a sua cabeça. Eu estava no quarto, o dia inteiro no quarto lendo as minhas revistas, vendo as minhas coisas, não sou hiperativo, sou mais do tipo que fica parado pensando em nada, nada, nada, e ela me veio com a mesma conversa de sempre, os laços, a ótima recepção que havia preparado, nada poderia falhar, nada, nada, nada. Ela não era obsessiva nem inteligente, apenas insistia em que as coisas transcorressem da melhor forma possível, essa era mamãe, preocupada com a melhor forma possível de se fazerem as coisas.

Ela gostava da palavra “nada”, que não é o verbo, mas o pronome mesmo, indefinido, indefinida quando caminhava, sem direção certa, oscilando entre uma coisa e outra, cambiante. Uma vez, muito tempo, meu pai tinha dito, e eu, criança, guardei: “Sua mãe é um oráculo.” Tive medo, afinal, o que me podia acontecer sendo filho de um oráculo? Dias depois, ela respondeu: não era aquilo que seu pai tinha dito, nada daquilo, uma mulher esfíngica, ela disse assim, com todas as sílabas da palavra muito bem pronunciadas, os lábios, os dentes, a língua rosada e esbranquiçada em alguns pontos estalando no ar, como uma serpente. Guardei também a esfíngica mamãe.

Foi somente à noite, noite mesmo, que saí do quarto, antevia o seu rosto, expressão, o canto da boca ligeiramente franzido, uma linda mulher, nada, nada e nada brilhando em cada pixel daquele olhar sonoro, um olhar pesado, muito pesado. Daí ter-se ido papai, o olhar pesado, acho que não suportou, o que ela dizia, insinuava com aqueles olhos, nunca teria palavras, não meu pai, um simples professor de ensino médio, sem ambições e com parco dinheiro no banco e jogos nos fins-de-semana, carteado, futebol, uma vida bastante avulsa, uma vida panorâmica, sem cortes rápidos, sem grandes lances, sem grandes atuações. Diferente de mamãe, Cleópatra, uma mulher, um requinte adocicado, odor nauseabundo, um corte de cabelo nervoso, mamãe.

Na sala iluminada uma porção de gente, muitos em pé, outro tanto estirado nos sofás e mais um bocado nos pufes recém-comprados, pufes coloridos e caros. Fumaça, choro de crianças, conversas interrompidas pela metade à minha passagem ou à dela, todos sabiam quem eu era, quem era ela, o que tínhamos em comum, por que papai se fora. Eram tantos, iam e vinham e novamente iam, sem rumo, então lembrei das pessoas que, num dos livros, vão e vêm sem rumo previsto, elas apenas saem de suas casas, acho que têm casas, e continuam por dias e dias a circular, cruzar e descruzar umas com as outras, sem diálogos ou qualquer fiapo de conversa que as faça menos tristes ou menos objetos seguindo as leis que regem o movimentos dos corpos no espaço sob a atuação de alguma força gravitacional. Eu gostava das aulas de Física, ótimas aulas, um grande professor, diferente de papai, que não acreditava em elétrons, prótons e nêutrons, mas apenas em alguma coisa que não sabia dizer. Acho que era um homem puro, muito puro, incapaz de viver com tanta sujeira, dormir com os pés levemente suados, enfiar a cara nos lugares mais escuros e de lá sair sem querer vomitar ou nunca mais pôr os pés ali, esse o meu pai.

Em casa, diferente, todos conversavam. Na verdade, comiam e conversavam para, em seguida, voltarem a comer, o que nunca invalidava um segundo e um terceiro ou mesmo um quarto retorno à mesa abarrotada de comida e à geladeira com bebidas e sobremesas caríssimas. Então copos e pratos e talheres tilintavam e o colorido de roupas finas, vestidos e camisas brancas sob o ensurdecedor alarmar dos telefones, não somente um ou dois, mas dez ou vinte ou mais em agudas chamadas, os filhos em festas badaladas, os parentes mais cínicos ainda, os tios e as mães e pais de cada um, era uma festa dos sentidos, de nenhum sentido que compunha o quadro enquanto tentava alcançar com a ponta dos dedos o braço de alguém, ali mesmo, na cozinha, uma mulher cujo nome não lembrava.

Mamãe sempre muito querida, em festas é a primeira a ser convidada e quando promove as suas, como aquela, muita gente comparecia, muito bom gosto, educada, fina, mas cínica. Mamãe era cínica, ele sabia disso, que era cínica e possuía algumas manias que, insatisfeitas, colocavam todos no olho do furacão, levados por seus instintos, por seus caprichos de mulher, um oráculo, esfinge por mais que negasse.

Sim, mamãe sempre foi cínica, menos comigo do que com o restante da família. Riso frouxo, lábios finos esticados a noite inteira, essa era Verônica, 40 anos, algumas mechas do seu cabelo branco encobertas por tinturas fartas, compradas em supermercados, às segundas, ela só faz compras às segundas, diz que é o melhor dia, a semana inteira à disposição e Verônica, perfumada, saia colada, brincos, colares, pulseiras e pernas de ginasta carioca – tudo para comprar tintura e ficar ainda mais bonita, às segundas-feiras, das 14 às 17 horas, ritual de consumo e prazer.

Eu, no meu quarto, leio revistas, todos me ignoram por ler revistas, todos conversam sobre mim, acham que não escuto, que sou um completo alienado, não estou a fim de ouvir nenhum tipo de papo exceto aquele que se refere às revistas. Em parte, sim, estou à vontade, sonâmbulo, distraído quando leio e grato por me privarem de tantas histórias do mundo real, da “demência humana e hipócrita”, disse o Lusco-Fusco, personagem de um quadrinho que estou lendo no momento, um ermitão, não exatamente do tipo filósofo, que escolhe viver numa caverna para depois nos banhar com todo o seu conhecimento. O Lusco, o nome dele é Salnne, um nome estranho, sem origem, ele é maior que tudo isso, um grande homem enterrado em toda aquela sordidez, ele é sujo, porém limpo, é isso o que ele é. Então, se me vierem falar da crise no Oriente Médio, do seqüestro de um amigo comum, do mestrado do primo, da falência do tio, da gravidez da menina do 512, do último capítulo da última novela, eu simplesmente não escuto, não escuto mesmo.

Na porta da cozinha, voltando, uma mulher, não era da família, uma mulher de cabelos longos mas enrodilhados na cabeça, que era pequena, muito pequena, do tamanho exato da menor cabeça já vista sobre o pescoço de uma adulta, realmente estranha. Eu tinha saído da sala em direção à geladeira, queria água, muita água, estava com sede, o apartamento abafado, eu via, as cortinas não se moviam, tudo parado, menos os pensamentos daquela mulher de cabelos enrolados, um turbante, era isso, um grande turbante sobre a cabeça dela, engraçado. Não ri, mas ela me estendeu um cigarro, eu aceitei, ela me disse qualquer coisa, eu ouvi, ela deslizou as mãos pelo meu rosto, eu deixei, ela ofereceu bebida, eu bebi. Mas parou em seguida, não moveu um braço, e começou a chorar, a chorar, a trepidar de soluços, um típico choro convulso, sempre dizem isso nas revistas, um choro convulso é a marca desses tempos nervosos, de câmeras ágeis, cortes ligeiros, música ensurdecedora, luzes em meios-tons, sonoplastia que devassa. Ela era uma típica mulher com problemas de nosso tempo. Nunca tinha conhecido uma tão depressiva, era triste de se ver, todos efusivos e esvoaçantes em seus vestidos longos, talhados ou não, corpos e copos de uísque, salgadinhos, alguns dançantes casais mergulhados nos cantos da casa, nos quartos, nos banheiros, uma fonte cintilante de alegria que jorrava e atingia a todos, menos àquela mulher, que era mamãe. Levei-a para o quarto e a consolei.

3 comentários:

Marília Passos disse...

achei interessante o fluxo de consciência e a mania de perseguição velada *adoro essas coisas*, mas encuquei com umas palavras que me soaram dissonantes as vezes: e vai que a intenção era essa mesma, sei la. heehe exemplo: "cada pixel" no meio daquele paragrafo soou estranho =x

e,sim, gosto das suas coisas, henrique, mas devo dizer que passo tb por isso de escrever coisas grandes no blog e é ruim de as pessoas lerem =/
eu tentarei postar por cá as menores, pq agiliza a leitura e mais pessoas vao gostar de vir aqui ;)

abraço!

Henrique Araújo disse...

quanto ao texto: sim, a intenção era essa. quebrar, romper uma cadeia semântica. às vezes - na verdade, quase sempre - literatura é isto: tirar uma palavra do seu canto e colocá-la noutro. como diz o matuto, é bulir com as coisas. enfim...

concordo quanto ao problema do tamanho dos textos. mas, sei lá, também quero relativizar isso. porque, ao menos no meu caso, dependendo do autor e da minha disposição, eu leio coisas bem grandinhas. alguns contos publicados no Cronópios servem de exemplo. mas a internet é isso mesmo... agilizar e, por conseqüência quase inevitável, superficializar. ou não, sei lá.

abraços!

MAKSIM ALEK disse...

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