terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Indo

Amigos

Estou indo nessa. Saio um pouco triste por não ter me dedicado o quanto queria ao projeto. Mas enfim, acredito que as coisas acontecem quando existe, além de nossa presença, um tempo e um espaço necessários.

Hoje tenho um blog pessoal: paradaprasepensar.blogspot.com. Acabei sem a pretensão de torná-lo um grande blog, pois não consigo manter direcionamento em um assunto nem regularidade nas postagens. Escrevo sobre tudo: economia, política, teologia, publicidade, psicologia, e se não me engano, poesias. Aconselho guiarem-se pelos nomes dos posts ou marcadores.

Continuo com meu sonho de ser um escritor, mesmo que não seja famoso! rs. Acredito na expressão própria de cada indivíduo, e escrever é uma forma que encontro de sentir a minha fluindo.

Qualquer coisa estou a disposição! Meu e-mail é uellopes@ig.com.br. Abraços

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Carta número um: a João.

(segue a 1a carta, que convido a responderem, e iniciarmos então a sessão de cartas que propusemos no Lançamento da Cauin semana passada.)


[de uma história de morte e vida]

João, sou um perdido. Vou chamar todos os amigos e jogar xadrez, tomar todas de uma vez, ouvir música sozinho. Abandonar um não-caminho e não dizer uma palavra, palavra sequer, nem a você nem a ela.
Poderia te bater e dizer maldito, traidor, vingar-me e chamá-la à porta, que hipócrita, a mim és morta, tanto mais quanto um ex-amor. Poderia tanto porque nada posso, perdi-me em dois nomes vazios, mas vou achar-me, achar-me e lavar as mãos sujas de tinta; vocês são cinza, cinza de vazio torpe.
Sabe essa sombra, João? É a tua. Tinha um amigo, abrigo de sempre, filmes domingo, trabalho em conjunto, uma equipe, que bobagem, sempre sonhei. De mim esperasse o máximo e não te frustraria, agora que tens, homem? Terá de mim silêncio, não mais um riso ou sequer ódio; e faça o favor de não tocar-me, terei de lavar-me e esforçar-me por não lançar-lhe à cara algo. Não, nunca a minha mão; suja de tinta, João, nunca de ti.
Quanto a ela, que viva ou que morra. Só me arrependo dos poemas. Sagrados poemas que foram dela, antes tivesse dado a vida. Nossos corpos, nossos rostos, uma boca sôfrega, noites eternas, dias de espera, uns anos e anos. Ela era apenas uma mulher. Por mais que amasse, uma mulher. O amigo era outro, era você. Era. Era mesmo? Desejo que vinguem. Vinguem muito e um no outro. Provem-se, explorem-se, deplorem-se, ao diabo.
Se estou bêbado? Estou bem sóbrio. De uma raiva que inebria. Quero o céu de um outro dia, dois corpos frios e inertes, não quero sangue, quero frio. Mas, juro, as mãos são dignas, e só sujas de tinta.


Ainda atreve um olhar a mim? Não viro, e, se te firo, que bom, que mau. Sejam felizes. E frios.
Não digo mais que isso, bem assim: se divirtam.



[Marília Passos]

sexta-feira, 25 de maio de 2007

O último beijo à luz do sol


Mil pernas, olhos; mil braços esticados e sobrancelhas arqueadas. No lugar da pele, escamas. Da boca, uma fenda negra. Nela, entrevistas, duas presas do tamanho de um dedo indicador e uma língua que se enrodilhava ao redor de uma presa. De uma presa, disse. Da garganta, o fedor dos séculos de guerra e sofrimento acumulados. Não tinha chifres nem cauda. Na ponta do nariz, nada de macilentas verrugas. Narinas pulsantes.

Era ela, a terrível criatura que a todos devorava, dentes agudos, e consumia, estômago dilatado, em suas entranhas, grande fornalha de fogo e gelo, elementos auto-excludentes.

Adiante, um menino. Ao seu lado, uma menina. Trocavam beijos quando a coisa se aproximou. Fedia, horrenda, e de sua boca, como costuma acontecer nos filmes de terror, escorria um líquido escuro e pastoso. O corpo parecia ter sido besuntado com manteiga. Brilhava.

Ela tinha garras; ele também. Extremoso, o casal de meninos brincava. Os dois, olhos de fogo e cabelos espetados. Porco-espinho. Há pouco, separados. Haviam se conhecido naquele exato instante. A terra tremia, os prédios caíam, os velhos eram mortos a golpes de enxada e eles, os dois únicos exemplares de uma faixa etária pela qual o Caos tinha predileção, estavam à vontade no banco em frente à estátua do escritor. O quadro completava-se com o fundo de mar azul.

Agora beijavam-se, tocavam-se, espremiam-se um contra o outro. Consumiam-se quando a criatura os devorou.

Trabalho concluído em tempo recorde, o monstro assumiu ares de enfado. Detestava o ócio, criativo ou não. Na primeira hora do dia seguinte ao da morte do tenro casal, retornou para o seu planeta, onde, imprevista e terrivelmente, outra guerra estourara.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Lançamento Público da CAUIN:

Hoje no Bosque do Centro de Humanidades da UFC, às 15h, lançamos o primeiro Zine da CAUIN! Nossa primeira publicação ficou belíssima ;) os textos muito bons, a diamagração elogiadíssima, o senhor e a senhora editores/diagramadores se garantiram ^^

Jogamos pra cima varios exemplares do zine e lançamo-nos ao vento e ao Bosque! hehehe mentira, não jogamos nada, porque tinhamos poucos: nós distribuimos entre as pessoas, e elas vão se encarregar de distribuir alguns tb :)
Quem nao foi, perdeu :P

Tratamos também de ler a nossa querida primeira publicação -suada e agitadíssimo esse trabalho, ó - na primeira Roda de Leitura do Bosque, essa quarta, 15h. Mas nao chorem, quarta que vem tem de novo :) Também às 15h, sejam todos bem vindos!
A divulgação mais pesada está sendo na Letras, e queremos expandir pra toda a UFC :) e depois partir pro mundo! hehehe


Quem souber colocar aqui a imagem do Zine, viu?, esteja convidado :) Eu me confundo toda quando vou mudar o formato dos arquivos.. .heheehe comé que põe o .pdf pra .jpg? eu sei que tem que primeiro transformar em só imagem ou coisa parecida, mas quem souber mais fácil, por favor faça as honras! :)


obs: vamos começar então aquela idéia levantada pelo Henrique: as cartas!
pode-se começar logo? o/

segunda-feira, 21 de maio de 2007

[conto]


SOU TODO OUVIDOS

A faca atravessa o interior felpudo e quente do alimento eminentemente cristão. Som matinal: bolachas, biscoitos, leite e café derramado na xícara, mesa e pernas. Porque tombou e escorreu. Tombou. O líquido ter se evadido, imprevisto, do interior branco e raso da xícara pode parecer inevitável. Um evento causador de espanto às sete da manhã de uma segunda-feira em tudo semelhante a outras tantas segundas e terças e mesmo quartas pode levar qualquer homem, senhor de contas bancárias e cartões de pagamento e também de códigos de barras, ao desespero sem fim.

Som de violão arranhado por mãos pouco habilidosas, de teclado. Do clique de uma máquina digital – um clique simulado. Do flash automático da máquina digital. Som de passos – leves no começo, arrastados no fim. O mais antigo som de passos já ouvido. Sons, se súbitos e sonoros, assustam na madrugada sépia. Ou ao meio-dia extremoso.

Som de escadas rolantes – zummmmmmm. Espátulas contra o brilho do prato. Carnes rasgadas, dilaceradas. Feijão, intestino, canal e buraco. Dentes mastigando, engolindo, língua movendo-se, retraindo-se, recolhendo-se ao som agradável de uma bossa. Som do acomodar da fera ancestral, do despertar do miolo sempre quente. Som das tábuas e das ranhuras existentes nas tábuas em cujo centro se lêem todas as leis maiores e menores.

Chovia quando saí de casa. Quando voltei, também. Som de chuva. Zissssssssssssss. Era fina, a chuva. It’s raining. As aulas de inglês. Som de pincel contra o branco da lousa, som de perguntas, respostas e perguntas sem respostas. Essas, sem som. Ou com som abaixo ou acima da capacidade de audição dos ouvidos humanos. Sons supersônicos, sons que ficam perdidos se emitidos no dia e na hora certas e convertidos em sinais contrários aos desejados.

Novo som de passos. De meias, calças. Meias-calças. Travesseiro, pomada e cremes. Som de cheiros – alguns têm um som agradabilíssimo. De gritos, gozos que antecedem ao som do chuveiro e do sabonete que desliza inaudível. Então sem som. Som do silêncio. Explico: o meu silêncio contra o seu produz faíscas cuja amplitude não chega a abalar os alicerces das sólidas construções urbanas ou mesmo as raízes das árvores centenárias fincadas a esmo por minotauros antes, ainda antes dos índios que comiam, que se comiam. Mas, ao cabo de tudo, faz crepitar fogueiras e fagulhas. Como as pedras atritadas por mãos, essas, sim, habilidosas, que resultaram na primeira tocha da estória. O som da estória é aquoso e escorre sem obstáculos. Som sem vencidos ou guerreiros. Porque som de mortos.

Talheres. Trink brink rimmmmmm. Som de copo. Geladeira aberta, geladeira fechada. Fustigando o prato. Ele respira fundo. Ela olha fundo e respira pausadamente. Ele olha raso. Permanece triste. Ora alegre, ora triste, ela inquieta-se e se ergue repentinamente. Ele passa a comer sozinho. Som da solidão. A solidão tem trilha sonora?

Som de gerúndio. Gritos do professor de português ecoando nas respostas atiradas, atrevidas do aluno, que, naquele instante, soava disperso enquanto se perdia ao longe no branco do fundo das nuvens que formavam carneiros. Como o do Pequeno Príncipe. Som de braços contorcidos, caneta vermelha no boletim, berros do pai, grunhidos e carícias da mãe. Som do futuro. Vem da garganta e assusta o menino, que se cala retraído no canto esquerdo da última cavidade ainda desconhecida da cabeça.

Som dos músculos, das estrias se alargando, dos ossos em expansão, das vitaminas e carboidratos e proteínas. Sangue que entope as têmporas, dilata e cega, enrijece o membro e corre vivo na perna ferida. Cerra punhos e cega.

Som dos hormônios assumindo o controle e da razão perdida no mato sem cachorro. Doravante, som reinante.

Som de tiros, pernas em movimento. Tic-tac-tic-tac. Relógio encimando os pensamentos. Máquina de escrever. Escreve. Datilografa. Ao fundo, gritos. Os presos. O odor de presos. Sonoridades insidiosas. Odiosas. Som dos pêlos que crescem na face, lâmina que raspa, ferida crestada. Escarro e engasgo, um velho na janela do ônibus. Ele cospe. O vento sopra, a saliva cada vez mais perto. Som do lenço no assoalho.

Onda quebrando nas pedras. Peixe frito, refrigerante e farofa. Som de redes e passos afundando na areia quente e alva. Cerveja e risos. Estão todos felizes antes das águas engolfarem o menino. Som da simples passagem do tempo.

O fim se renova, sempre. Os sons se renovam, sempre. Amém.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

IMPERATIVOS DÚBIOS

- Silêncio!
Diz a biblioteca com ares de hospital pelo gesto da bibliotecária com modos de enfermeira. Luvas, máscaras: poeira, bolor. E os doutores estão ali, pacientes, prestes a ressuscitarem os livros do coma, antes que sejam carcomidos pelas Traças.

______________________________________________

- Proibido fumar!

Repreende em vermelho a boca turbulenta do cinema, irrompida da escuridão feito a própria chama do cigarro. Poltronas enfileiradas, passarelas para o trânsito livre de lanterninhas aeromoças. Pagas as passagens, o ingresso à próxima sessão. Não será preciso apertar os cintos. Desliguem os celulares e tenham todos um bom filme!

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Aforismo

[pessoas, acho bom ter um critério de postagem, e não simplesmente postar sem sequer ler os textos dos outros. vamo fazer assim: todos postam, todos leem, e tentam comentar os textos dos amigos tb, pode ser? eu tenho tentado, e incentivar tb, mas ta dificil... vamo ver se agora dá?=]


*por Marília Passos


Entre os breves espaços do tempo não há
ninguém
ousando viver o tempo
seguindo ao som do vento
sabendo que, a todo tempo,
o tempo pode acabar.

na sua janela não era nada, meu bem
apenas o nosso espelho,
partido talvez no meio
- "parto, já tendo me partido"

é aí que te digo
da brevidade do tempo
necessidade de anseio
viver do começo ao meio
- "e o final que venha sozinho",

vez que os breves espaços de vento,
confesso
perdi no mei do caminho.

.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Amor

Dor, angústia
Medo e dúvida
Não quero falar sobre meus fantasmas
Quero falar sobre soluções
Sobre certezas
Pobres falhas certezas
Rodeadas pelo escuro véu das hipocrisias
Essa certeza, obrigado, eu não quero
Quero alguém que brinque de amor comigo
Que me conte mentiras sinceras e eu acredite
Que minta dizendo que sempre estará ali comigo
Que me abrace quando eu chorar, mesmo sem querer
Que me console, mesmo sem eu precisar
Que me ame, mesmo sem me amar
Que me apresente o seu mundo
Me apresente seus amigos,
Suas paixões,
Mesmo que eu não as goste
Que me bata, me ame e que acenda meu cigarro
Mesmo que eu não fume
Que faça amor comigo
Mesmo que eu não esteja presente
Quero virar a esquina e te encontrar
Pedir uma cerveja e você ir junto
Falar de amor e você aparecer
Mesmo que eu não acredite
Mesmo que não seja você
Mesmo que nunca aconteça
Mesmo que eu não me mate
Mesmo que eu acredite em você e espere.

sábado, 21 de abril de 2007

(achado meio perdido)

A rua repleta de gente. Mais curiosos que amigos, seguindo com os olhos o corpo caído no chão. Os braços, torcidos dum jeito que não pareciam dele; as pernas, ninguém olhava, estavam em carne viva, do atrito com o asfalto. Um mundo inteiro vendo, alguém ligando pro
hospital.
Ninguém sabia se vivo, e estranhavam a ausência de poças de sangue. Assustados, mas anestesiados pela recorrência das cenas. Vez ou outra, naquela rua, os acidentes eram quase repetidos: motos e carros, bicicletas, atropelamentos. Todos achavam errado, reclamavam junto ao governo, e nada.
A cena era, pois, repetida, mas o caso de hoje era diverso. Por ser quem era e pelas conseqüências do acidente.
Passou três meses no hospital o profeta da rua. Chamado mendigo, vidente, beberrão ou o que fosse, fato é que sempre sabia o que viria no amanhã. Irônico era não ter sabido que não devia atravessar, naquele exato dia, a mesma rua de sempre. Ou sabia?

Decorridos os três meses, milagrosamente voltou ao convívio da rua. Não demorou pra que percebessem que não tão milagrosamente assim.Não falava mais com as pessoas. Era indiferente aos chamados, aos presentes, às crianças, a tudo. Não reconheceu seu filho, não voltou a falar dos pássaros, do mundo, do futuro.
Tão logo sentenciaram que o profeta perdera a memória. Outros, que lhe faltava a fala. Que um ou outro fosse certo, a verdade é que tudo ele entendia. E podia falar, se quisesse, mas não queria.Talvez tivesse mesmo perdido a memória. O que ninguém sabia é que, no momento do atropelo, vira pela última vez seu céu de criança.E, naquele instante, tinha de vez perdido as nuvens.

[Marília Passos]

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Casal Nacional

Baseado em fatos reais
Enrolado em depoimentos e viagens
Fui assistir ao casal nacional
Sim, aquele que passa de noite no jornal
Que o casseta jura que tira onda
Aliás, tantos falsos juramentos
Falta de ética, moral e calor humano
Que ética eles estudaram na faculdade?
Qual a visão dos diretores de um veículo de comunicação sobre o lucro?
Sim, pois vivemos pelo lucro
vivemos pela justiça
lutamos pelo certo.
Ai vem um cara cheio de poder
Influenciar presidentes e presidentes
E mais a mente de um monte de gente
A minha não, essa eu faço coisas
E a galera joga pedra
Excomunga
Queria saber onde arrumaram essa tal moral
Tipo uma que leva pro céu
Se costume não passa de uma questão sócio-histórico-ECONÔMICA
Ai, to complicando demais
Ao lembrar do casal nacional
Que tirou a Roseana
Que botou e tirou o Collor
Que manteve o FHC
Que tem ojeriza ao Lula
Que é prima daquela outra, que é semanal
E também diz o que quer.
Quando vamos aprender a amar
E procurar o verdadeiro desenvolvimento
Unindo tecnologia à educação e cultura
Continuaremos com diferenças sociais, sempre
Mas pelo menos entenderemos
A razão de contribuirmos com tudo isso
Não acreditemos no que eles nos dizem
Sim, porque eles existem
E querem o melhor para seus interesses
Custe o que custar
Mesmo que isso represente a consciência de toda uma nação.


sexta-feira, 19 de outubro de 2006.
14:38hs

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Festinha particular


Por Henrique Araújo

Não se isole dos demais, seja solidário e, caso a tia velha lhe estenda a mão, apanhe-a ainda no ar, cortês, e a devolva sutilmente com um beijo impresso no dorso – assim disse mamãe antes da festa, do peru, da estranha mulher com uma espécie de serpente guarnecendo a sua cabeça. Eu estava no quarto, o dia inteiro no quarto lendo as minhas revistas, vendo as minhas coisas, não sou hiperativo, sou mais do tipo que fica parado pensando em nada, nada, nada, e ela me veio com a mesma conversa de sempre, os laços, a ótima recepção que havia preparado, nada poderia falhar, nada, nada, nada. Ela não era obsessiva nem inteligente, apenas insistia em que as coisas transcorressem da melhor forma possível, essa era mamãe, preocupada com a melhor forma possível de se fazerem as coisas.

Ela gostava da palavra “nada”, que não é o verbo, mas o pronome mesmo, indefinido, indefinida quando caminhava, sem direção certa, oscilando entre uma coisa e outra, cambiante. Uma vez, muito tempo, meu pai tinha dito, e eu, criança, guardei: “Sua mãe é um oráculo.” Tive medo, afinal, o que me podia acontecer sendo filho de um oráculo? Dias depois, ela respondeu: não era aquilo que seu pai tinha dito, nada daquilo, uma mulher esfíngica, ela disse assim, com todas as sílabas da palavra muito bem pronunciadas, os lábios, os dentes, a língua rosada e esbranquiçada em alguns pontos estalando no ar, como uma serpente. Guardei também a esfíngica mamãe.

Foi somente à noite, noite mesmo, que saí do quarto, antevia o seu rosto, expressão, o canto da boca ligeiramente franzido, uma linda mulher, nada, nada e nada brilhando em cada pixel daquele olhar sonoro, um olhar pesado, muito pesado. Daí ter-se ido papai, o olhar pesado, acho que não suportou, o que ela dizia, insinuava com aqueles olhos, nunca teria palavras, não meu pai, um simples professor de ensino médio, sem ambições e com parco dinheiro no banco e jogos nos fins-de-semana, carteado, futebol, uma vida bastante avulsa, uma vida panorâmica, sem cortes rápidos, sem grandes lances, sem grandes atuações. Diferente de mamãe, Cleópatra, uma mulher, um requinte adocicado, odor nauseabundo, um corte de cabelo nervoso, mamãe.

Na sala iluminada uma porção de gente, muitos em pé, outro tanto estirado nos sofás e mais um bocado nos pufes recém-comprados, pufes coloridos e caros. Fumaça, choro de crianças, conversas interrompidas pela metade à minha passagem ou à dela, todos sabiam quem eu era, quem era ela, o que tínhamos em comum, por que papai se fora. Eram tantos, iam e vinham e novamente iam, sem rumo, então lembrei das pessoas que, num dos livros, vão e vêm sem rumo previsto, elas apenas saem de suas casas, acho que têm casas, e continuam por dias e dias a circular, cruzar e descruzar umas com as outras, sem diálogos ou qualquer fiapo de conversa que as faça menos tristes ou menos objetos seguindo as leis que regem o movimentos dos corpos no espaço sob a atuação de alguma força gravitacional. Eu gostava das aulas de Física, ótimas aulas, um grande professor, diferente de papai, que não acreditava em elétrons, prótons e nêutrons, mas apenas em alguma coisa que não sabia dizer. Acho que era um homem puro, muito puro, incapaz de viver com tanta sujeira, dormir com os pés levemente suados, enfiar a cara nos lugares mais escuros e de lá sair sem querer vomitar ou nunca mais pôr os pés ali, esse o meu pai.

Em casa, diferente, todos conversavam. Na verdade, comiam e conversavam para, em seguida, voltarem a comer, o que nunca invalidava um segundo e um terceiro ou mesmo um quarto retorno à mesa abarrotada de comida e à geladeira com bebidas e sobremesas caríssimas. Então copos e pratos e talheres tilintavam e o colorido de roupas finas, vestidos e camisas brancas sob o ensurdecedor alarmar dos telefones, não somente um ou dois, mas dez ou vinte ou mais em agudas chamadas, os filhos em festas badaladas, os parentes mais cínicos ainda, os tios e as mães e pais de cada um, era uma festa dos sentidos, de nenhum sentido que compunha o quadro enquanto tentava alcançar com a ponta dos dedos o braço de alguém, ali mesmo, na cozinha, uma mulher cujo nome não lembrava.

Mamãe sempre muito querida, em festas é a primeira a ser convidada e quando promove as suas, como aquela, muita gente comparecia, muito bom gosto, educada, fina, mas cínica. Mamãe era cínica, ele sabia disso, que era cínica e possuía algumas manias que, insatisfeitas, colocavam todos no olho do furacão, levados por seus instintos, por seus caprichos de mulher, um oráculo, esfinge por mais que negasse.

Sim, mamãe sempre foi cínica, menos comigo do que com o restante da família. Riso frouxo, lábios finos esticados a noite inteira, essa era Verônica, 40 anos, algumas mechas do seu cabelo branco encobertas por tinturas fartas, compradas em supermercados, às segundas, ela só faz compras às segundas, diz que é o melhor dia, a semana inteira à disposição e Verônica, perfumada, saia colada, brincos, colares, pulseiras e pernas de ginasta carioca – tudo para comprar tintura e ficar ainda mais bonita, às segundas-feiras, das 14 às 17 horas, ritual de consumo e prazer.

Eu, no meu quarto, leio revistas, todos me ignoram por ler revistas, todos conversam sobre mim, acham que não escuto, que sou um completo alienado, não estou a fim de ouvir nenhum tipo de papo exceto aquele que se refere às revistas. Em parte, sim, estou à vontade, sonâmbulo, distraído quando leio e grato por me privarem de tantas histórias do mundo real, da “demência humana e hipócrita”, disse o Lusco-Fusco, personagem de um quadrinho que estou lendo no momento, um ermitão, não exatamente do tipo filósofo, que escolhe viver numa caverna para depois nos banhar com todo o seu conhecimento. O Lusco, o nome dele é Salnne, um nome estranho, sem origem, ele é maior que tudo isso, um grande homem enterrado em toda aquela sordidez, ele é sujo, porém limpo, é isso o que ele é. Então, se me vierem falar da crise no Oriente Médio, do seqüestro de um amigo comum, do mestrado do primo, da falência do tio, da gravidez da menina do 512, do último capítulo da última novela, eu simplesmente não escuto, não escuto mesmo.

Na porta da cozinha, voltando, uma mulher, não era da família, uma mulher de cabelos longos mas enrodilhados na cabeça, que era pequena, muito pequena, do tamanho exato da menor cabeça já vista sobre o pescoço de uma adulta, realmente estranha. Eu tinha saído da sala em direção à geladeira, queria água, muita água, estava com sede, o apartamento abafado, eu via, as cortinas não se moviam, tudo parado, menos os pensamentos daquela mulher de cabelos enrolados, um turbante, era isso, um grande turbante sobre a cabeça dela, engraçado. Não ri, mas ela me estendeu um cigarro, eu aceitei, ela me disse qualquer coisa, eu ouvi, ela deslizou as mãos pelo meu rosto, eu deixei, ela ofereceu bebida, eu bebi. Mas parou em seguida, não moveu um braço, e começou a chorar, a chorar, a trepidar de soluços, um típico choro convulso, sempre dizem isso nas revistas, um choro convulso é a marca desses tempos nervosos, de câmeras ágeis, cortes ligeiros, música ensurdecedora, luzes em meios-tons, sonoplastia que devassa. Ela era uma típica mulher com problemas de nosso tempo. Nunca tinha conhecido uma tão depressiva, era triste de se ver, todos efusivos e esvoaçantes em seus vestidos longos, talhados ou não, corpos e copos de uísque, salgadinhos, alguns dançantes casais mergulhados nos cantos da casa, nos quartos, nos banheiros, uma fonte cintilante de alegria que jorrava e atingia a todos, menos àquela mulher, que era mamãe. Levei-a para o quarto e a consolei.

domingo, 15 de abril de 2007

Odisséias.

.

Fim. Início. Epígrafe, lápide.*
Recomeço, recontínuo, restabelecido, revivido, remoído. Retorcido?
Atrevido, acefalia funcional, contraído, conhecido, a concisão.

Lúgubre, opaco, morto, estorvo, turvo, vulgo, vós.
Voz vivificante, ressonante, ativa, fonte,
Renascente, pós-vivente, re-ausente, decrescente, permanente em invasão.

Inverso, imerso na inércia de um vazio, perco-me em contínuas
não-continuações
na vã esperança de não mais me achar.

[As palavras são jazigo, fazei dela o que quiserdes. O que puderdes. Fazei melhor: o que não puderdes.]

Loucura tão impura de inocência já perdida?
Vês tu os versos tão da vida?
Esquece.
Faze os teus.

Caos, linearidade sobressalente, coisas sobrepusentes, pôr-do-sol ausente, [que da visão já não sente senão o mais breve cheiro.

Recomendo que vingues na Antártida perdida, que evites Zeus e não mexa com Perséfone. Não faça nada por Orfeu e, se quiseres, por Prometeu morra.
Ressuscita no outuno e inicia uma nova era de homens. Começa, assim, um soneto novo e não mais te procures em dicionários.

.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

COISA RUIM


Por: Paola Fonseca Benevides


Falar de quê, de mim? Mas um quê é coisa, serei metade assim? Quem: sujeito indeterminado até que eu termine esta canção egóica a me sujeitar no fim, em desfecho não-aberto, entrega absoluta do sim no casamento. Um nome! Não falarei, então, do fato. Mesmo sendo criatura criadora do feto através do falo, em cópula com a boca desdentada na altura do ventre abaixo, não ditarei as regras do grávido umbigo. E olha que ele é rei! Você é cego? Nesta terra rara que há de nos comer, qualquer pedrinha custa ao menos um olho da cara. Ser ou perecer? Parece a cogitação do pobre-diabo nascido do medo calado e crescido na decapitação de uma renda per capita que reza o tu-és-aquilo-que-tens, por bens ou por maus. Bocados...

Paga-se a vida inteira pela própria morte. E há quem cuide também da sorte dos outros, zumbizados pela inconsciência, rendidos pela comoção aprendida nas novelas dos meios de comunicação em massa, onde tudo acaba em pizza. Final feliz que se revela enquanto eu não terei saída, sob a tortura da curiosidade alheia. Cova rasa e súbita, mas sei que isso passa. Passados os tempos da ditadura, ficou mole, agora a manipulação é subliminar. Se se faz de vítima. Você se liberta com a marginália à solta? Epa, espera aí, os marginais agora somos nós, à beira-margem gradeada, burguesinhos da casa grande, em condomínios sob os domínios das câmeras espalhadas. Não há mais quinze minutos de fama, apenas vinte e quatro horas pelo resto de nossas anonimanias inanimadas ante o suplício da falta de privacidade. A cidade priva. Animais-indivíduos: individuais. Canibais cabedais capetalistas. Enjaulados no refrão ecooso de uma música oca em volume máximo do absurdo sonoro.

Vertigem na verdade. Que linguagem é essa? Vislumbro a paisagem do aborígene desculturado a contar coisa alguma com outra sequer. Comer... Comercial. Uma pausa. Quem respira? Suvácuos em ônibus. Povos marrom-diarréicos, brancos anêmico-mofados azedos, amarelesverdeados de patridiotismo. Sem. Estamos perdidos, engarrafados na lâmpada apagada de Aladim, popupoluente ríspido com suas jangadas entregues ao mar, símbolo do atraso nosso a rogar ajuda ao tridente do mágico. Venda sua alma para ele a preço de banana nanica. Gato por lebre na cartola do Netuno. Picas. Mexa no baralho, há cartas na manga:
Reis de paus e Ás...
Ai, mas seria ele o Satanás?!?!?

terça-feira, 10 de abril de 2007

AGOURO


Tarco Lemos



Acordei com a gritaria. Os dois já estavam sentados na areia, esburacando o chão. Eu não estava com vontade de nada. Fiquei um bom tempo olhando o basculante, sentindo a brisa que entrava, o cheiro da manhã ainda verde. O farfavalhar das folhas e palmas do lado de fora trazia para dentro de casa cheiro de flor de cajueiro. As goiabeiras também estavam florando. Horácio ficou me olhando um tempo pelo basculante enquanto eu fitava os caibros e as teias de aranha e fingia não vê-lo. Quando ele cansou, disse “vamos ver o nenê da Célia? Ele chegou ontem.” Bocejei bem alto e não sei por qual motivo, topei. Ele se animou e entrou em casa correndo pra lavar as mãos e vestir uma camisa. Ele queria era sair para a rua, pois naquele tempo não nos era permitido sair sozinho.
A curiosidade infantil de contemplar algo ainda mais indefeso! Alguns vizinhos tiveram exatamente a mesma idéia e o miúdo quarto do recém-nascido estava atapetado de mulheres, gordas em sua maioria, vestindo shorts de lycra. A exceção era a mãe da criança, magricélia. Meu irmão entrou dentro do quarto se esgueirando e contorcendo como se fosse um gato. Eu me postei na porta e o esperei, captando apenas sonoridades, privado de ver qualquer coisa além da muralha de corpos enormes. “O nome dele é Diônatas”. “é tão clarinho!” “ele tem olho verde, a Célia botou foi quente!” “Vixe!”
Eu já não agüentava mais tanta chatice quando Horácio reaparece chorando. Assustado, perguntei o que havia acontecido. Mas ele só balançava a cabeça, a boca aberta enormemente sem emitir qualquer som. Ele caminhou de volta pra casa, vagaroso, sem mudar a expressão do rosto. Quando chegamos, ele entrou no banheiro e demorou-se longamente. Meu medo crescia na mais absoluta aflição e resolvi falar tudo o que aconteceu pra nossa avó, que cuidava da gente e morava na casa ao lado. Junto com ela chamei Horácio aos berros, enchendo a casa com o ar pesado dos meus pulmões. Estávamos eu, Vó dos Anjos, a caçula, tia, prima, todos alvoroçados numa balbúrdia que mais parecia querer derrubar a porta com a força do vozerio.
Derrubamos a porta e no chão encontramos Horácio caído. Vó dos Anjos passou mal e enquanto eu, completamente zonzo, me aproximava dele, o restante do grupo pôs-se a acudir minha velha avó. Ele apenas adormecera. Eu gritei que ele estava bem, beijando-lhe os cabelos na maior felicidade do mundo. Ele despertou empurrando meu rosto e não entendia nada do que se passava. Ajudamos Horácio a levantar e na cozinha o sentamos. Vó dos Anjos passou a dar ordens: que limpasse isso, tirasse aquilo do meio do caminho. Minha tia apressou-se em preparar uma vitamina pra ele melhorar da fraqueza. Eu sabia que o ocorrido nada tinha a ver com falta de força ou má alimentação, não. Mas o susto que tomei me deixou sem coragem de ir fuçar o que ocorrera no quartinho do recém-nascido, filho da vizinha.
Na manhã seguinte, o aroma de flores de cajueiro estava ainda mais intenso. Saí para o quintal e me sentei debaixo do sol, exalando o ar puro. Passei a observar uma dança de borboletas e as cores de folhas, flores e asas eram tão vivas quanto intensas. Meu irmão ainda dormia e fui observá-lo através do basculante. Dormia pesado. Instantaneamente, ao relembrar o dia anterior, o ar é cortado pelo mesmo vozerio, o mesmo clamor de gritos. Espantado e estático, espero mais um pouco antes de me mover. O som cresce e então reconheço ser apenas algo semelhante à ontem, sendo agora a vez de outras vozes aflitas preencherem o dia de pranto. Corro em direção às vozes, elas vêm da rua. Do portão da frente vejo os vizinhos correrem para a casa de Célia. Com as pernas pesadas, caminho até lá e vejo algumas mulheres gordas saindo para a calçada enxugando lágrimas. Pergunto a uma delas, a que está mais próxima de mim e distante da entrada, o que tinha acontecido. “O bebezinho da Célia morreu!” ela respondeu um tanto forçada. Eu olhei pro chão, mais para desviar a vista da mulher, e lá se alinhava uma fila indiana de formigas. Segui o caminho delas até minha casa, onde elas desviaram e entraram num grande buraco ao pé de uma castanheira.
Fui ver se Horácio já tinha acordado. Pensei mais de uma vez se o dizia ou não o que havia acontecido. Resolvi contar e arriscar saber o que de fato ocorreu enquanto ele esteve no quarto de Diônatas. Através do basculante vi que ele fitava o teto, o olhar perdido. Quando eu o chamei ele me olhou como se fosse responder ao que eu iria perguntar. Calei, não perguntei nada. Ele disse “eu sei” e virou-se, voltando a dormir.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

[conto]


A rebelião do ponto ou Uma história de amor

Por Henrique Araújo
Não era uma história em frangalhos, rumorosamente perdida, sem pé nem cabeça ou destituída de genitália. Tinha corpo e pernas e braços e ânus. Em aparência, um humanóide. Alguns fios de cabelos nas laterais, pêlos nas axilas e dentes amarelados a tornavam reconhecível para a maioria das pessoas, que, vendo-a, não se assustavam. Além disso, exalava. Era calva. Visto de longe, seu corpo tinha alguma simetria apenas minimamente interrompida quando, os olhos pousados em demasia, perdia qualquer coisa entre o sorriso e o olhar. Era quase imperceptível, mas estava lá. Uma superfície lisa, quase incandescente da cabeça até os pés. O fundamental, porém, era que tinha um cu.

Ele mesmo se encarregara de lhe dar um, o autor e pai da história. Afinal, sem um bom ralo, nada funciona. Inclusive uma boa história. Nos últimos dias, andava prolixo, dizendo e dizendo e espalhando entre os mais próximos – mas nunca descuidando dos distantes – a boa nova: viera. Prometia. Antevia, suspirando, resenhas aos borbotões nos jornais da cidade, cadernos especiais, entrevistas, lançamentos e coquetéis sob o mais pesado ar-condicionado. Pisar o carpete do clube novamente, ainda que arriscado, seria um ótimo remédio para as dores que vinha sentindo em todo o corpo: pontadas na espinha e coices na cabeça.

Agora, toxicamente efusivo ao café da manhã. As tardes todas gastas em sites de literatura ou fazendo os seus contatos rotineiros, comentando os blogs dos seus alunos ou folheando revistas e jornais que chegavam de todos os cantos do país. Entre uma coisa e outra, espiava a história, cuidadosamente engavetada. Era a “quarentena”. De madrugada, acordava a marcar no compasso das idéias embaralhadas possíveis respostas para as mesmas perguntas de sempre: influências, flatulências, cores empregadas, nomes de personagens, lugares, gerações e, finalmente, por que escrevia – nesta, demorava-se além da conta. A jornalista, menina decotada e simpática, sorria sem entender. No bloco de anotações, garatujas de quando ainda era criança. Ele demorava. Mais do que charme, tossir antes de responder era mesmo um lugar-comum a que todo escritor que se preze recorria e recorre sempre que se avizinha o perigo. E não responder antes do próximo pigarro também.

Final do período de ajustes e de encantamento que somente a criação lhe proporcionava. Adiante, o juízo dos carcarás. Alguns, mais afetados, declinaram imediatamente da leitura: em todos os sentidos, suja. E escatológica. O ralo ocupava muito espaço no texto, preenchia muitos vácuos. Um paradoxo: não era esse o papel do cu, preencher espaços que não lhe eram devidos. Aliás, conforme as regras do jogo literário, não era de sua alçada ocupar espaço algum. Acostumado a escrever, ele sabia das aventuras a que certos personagens, como se dotados de vida e enredados em suas próprias histórias, se impunham. Da metade para o fim da cambiante narrativa, enquanto as garrafas de café eram consumidas às dúzias e as galinhas ciscavam no quintal, mais preocupadas com minhocas, fora atacado pela certeza: o cu havia se rebelado. E isso podia estragar as coisas. Ou torná-las consideravelmente divertidas.

Era fácil, portanto, explicar o incômodo que a história seguia causando a certos espíritos de natureza comezinha. Menos por seu conteúdo de aroma e gosto duvidosos, o que, ao final de tudo, causava tanta estranheza era a sua forma descabida, com pés e cabeça e genitália à mostra. “Não se trata a literatura com tamanho descaso e irreverência”, estocara o desafeto logo à abertura de um debate na faculdade. “Lixo pós-moderno”, ajuntara, lacônico, outro. Perdido no meio do tiroteio, o pai coruja voltou-se para a estudante estonteante que fazia palavras-cruzadas na primeira fila. Sorriu. Em seguida, olhando para o fundo do extenso auditório apinhado de assinaturas, levantou-se e foi embora. Antes, porém, sob o pretexto de ver a calcinha de uma antiga colega de cátedra que, até então, permanecera igualmente silenciosa, deixou escorrer a caneta.

“A narrativa foi escrita sob o signo da delinqüência”. A frase, pinçada da entrevista com o autor, reluzia, dias depois, nas bancas da cidade, mergulhando-o em qualquer sentimento cuja essência, em essência, desconhecia. Se alegria ou cumplicidade ou realização ou voracidade ou tristeza apenas, temperada com certa fúria ou animosidade, tudo isso lhe escapava naquele instante. “A intenção era, até os limites do autor, implodir algumas construções estabelecidas sem a sua concordância e ‘à revelia das minhocas que, sem motivo aparente, eram copiosamente devoradas no fundo do meu quintal’”. De fato, uma total perversão comer velhinhas caquéticas, havia pensado enquanto aguardava o troco na padaria. A seu lado, uma senhora já bastante idosa lhe dirigia palavras de bom-agouro. Ele sorria sempre amarelo esverdeado. Às vezes, cinza. Correu ao receber as moedas, deixando algumas para trás.

Uma boa história deve, obrigatoriamente, ter um bom ralo. E que este sirva aos propósitos de cada um, e que, ante qualquer júri, em qualquer lugar, lhe seja outorgado o título máximo em honra aos dias dedicados ao consumo de nossas impurezas. O trecho anterior tinha sido cortado da história pelo editor, um homem de barriga e estupidez proeminentes. O próprio pai, achando-o por demais enigmático, resolveu que o melhor seria colocá-lo de lado e aguardar até que fizesse algum sentido. Não fez. Um dia, por mais absoluta falta do que fazer, publicou-o, solto e sem maiores explicações, no seu blog. Alguém leu e gostou e a ele acrescentou outra história – que passou a comer do mesmo esterco e voltar para casa de barriga cheia. Era apenas o começo de uma série de falsos entendimentos que, ao final, desaguariam num dos maiores romances coletivos da história. Ele ficou satisfeito. A jornalista, mais ainda, largando o bloquinho florido para entrar luzidia no carro. Para ambos, era o fim de mais um dia de trabalho extenuante e o começo de uma vida povoada de ralos.

terça-feira, 3 de abril de 2007

henrique pediu: eu mando =)

pra começar, alguma coisa meio crônica, meio carta, je ne sais pas. mas, enfim, taí o texto, estímulo dado, postem tb =) e comentem, que comentar os posts das pessoas é legal, até pra quem quer ser comentado.


" (sem título)

Não quero limites ou fronteiras, tentar sorrisos, ser conceitos. Dizer inteiro, sonhar tão pouco, dormir tampouco, quero ser brisa, quero silêncio, sem intento, verdades em partes, repartes comigo, sem seres abrigo, te peço um segundo e peco, um mundo, mas seja.
Que seja, eu seja, me beija, o agora demora: faça. Mas não faça, desfaça, pessoas troque, revolte, volte, toque, me veja, destrua, tão nua, se nua, tão seja.
Não quero o querer repetido, quero o início do que não veio, quero o abraço apertado não esperado, a palavra que em si surge, bonita. Se triste, que insiste,o insistir fato não mais, QUERO MAIS, QUERO MENOS.
Esperei o pôr-do-sol do domingo, tão lindo, ao teu lado, um encanto, tão tanto, o hoje, no entanto, é tamanho, sem limitações. Mão e luva, luva e mão, na canção, poesia; no meu dia, redenção. Amei a lua da semana, mas sempre um desencontro, certas coisas parece verei tão tarde, que invade, invade, não sei mais do querer.
Que mãe, quero mais, quero menos. Liberdade na ilusão, ilusão que em si não cabe, mas fale – cale -, declame, possessos leiamos, vivamos, sejamos, eu ao menos viver um tanto. Vir comigo querendo consigo, consigo outro céu outra lua outro sol outrossim, sem tu sem mim, sem eles: assim.
Pai, não é isso, tudo aquilo e nada disso, transbordo, transporto, transcendo, trazendo – um sempre – sorriso. Admiração, espanto, olhar o manto que parece encobrir. Encobrir o quê se tudo vago, até o fato, o fosco e o exato, o tanto O PARCO, vago, vaguidão: embriago, solidão.
Tantas coisas em minha cabeça, tantos tantos sem um lugar, tão lugares sem me saber e, me sabendo, o que fazer? Ai, que engano, tão vivo, meu tanto, meu sempre, meu sigo, AMIGO, por que vais? E, se vais, dorme cedo, é segredo, é paixão. Paixões não dormem cedo, É engano, dormem cedo e acordam cedo, um turbilhão, Juras, Precisas, Não.
Pensei, falei, provei, te dei, cantei, tomei, calei, mas calei porque calar é um canto-ponto. É uma aresta, como uma cesta e, se não me entendes, uma pena, já te quis de uma forma tamanha, Não mais, tu me perguntas, mas não te respondo, ao menos se digne a procurar uma resposta. Abra a porta, veja o que dizem, relute o que fazem, resista ao que tentam,
Não quero querer de velho, quero o novo, o estrondo, o sufoco, como um louco, um poeta, um possesso; o INVERSO de tudo e do verso; não me caibo, eu tão laico, quero TANTO. O querer que me liberta me sufoca, que escolha, quero todas. Vou viver, que a vida, não sendo isso, aquilo também não é.
Quero viajar e levar alguém no colo, quero um alguém que não seja mau, QUERO EU, quero quero, belo belo, será tenho tudo o que quero? E o Mestre não quero amar não quero ser amado, não quero combater não quero ser soldado: porque as leis não bastam, os lírios não nascem das leis.
Quero cada sorriso, quero cada criança ao cantar a esperança, quero a lágrima e a dança: poesia, teatro! Quero a exclamação, o diverso, cada linha, cada flor, cada vinha, cada amor. Quero a música o beijo, o silêncio o desejo, a ilusão! O sonho, o concreto, o etéreo, o bonito e o feio, o começo e o meio, desse jeito.
De outros jeitos, quero saber, dizer, perguntar: ajudar, ser bem simples, singular, complexo, sendo o caso, não ligo, ABSTRATO. Quero, sincero, inventado, criado, sozinho, derivado, original, animal, consciência: razão, plurivalência. Sentido, vivido, causado, sofrido, cessado, solvido, calado, sumido.
Quero o não-querer quando chorar faço. Se faço, um pecado, quero querer amar sem o efó, mas não posso, e é o que dói. Dói-me o limite, mas tento, INSISTE, quero mais, quero menos.

O infinito impreciso, escrever numa calçada, beijar o beijo que recebo sem ganhar, ganhar desejo que eu recebo sem falar.
Do infinito preciso, confesso, quero ler como um possesso – escrever, ainda mais - , quero tanto e quero tudo, só não quero é ficar mudo, desse jeito


Continuo."

Um prefácio: Quem queremos ser, e somos, seremos.

A CAUIN vem a ser o quê, afinal? Somos a representação das siglas representando a Cooperativa de Autores Independentes de Fortaleza, formada por, óbvio, um bando de autores independentes. bando no bom sentido da bandagem =}No intuito de publicações alternativas e de qualidade, o grupo foi criado para permitir o maior número possível dessas publicações, aumentando o mercado editorial de livros.

Onde estamos? Estamos duas vezes por mês reunidos inicialmente no Centro de Humanidades na UFC, e estamos também neste blog; na comunidade CAUIN - Fortaleza; e nosso contato de email é:
cauin@yahoogrupos.com.br

Inicialmente esse blog está sendo criado como meio de conhecimento dos próprios cooperados, escritores independentes. A posteriori, esse espaço poderá vir a ter outras várias funções (estamos aceitando sugestões, sim =)

Quem pode postar?
Todos os CAUIN´s.

Como fazer pra entrar na CAUIN? Indo pras reuniões.

Quando será a próxima? Dia 20, a discutir o Estatuto da Cooperativa. A quem interessar possa, dia 20 é uma sexta, e nos encontraremos às 14h lá no CH1.
somos estudantes de letras, jornalismo, direito, somos professores, somos autores livres, de livros e de poemas, somos amantes da leitura e da escrita. e, sobretudo isso, não temos problema em dividir. espaço ou idéias.

nem livros =)
sobretudo os nossos. hehehe


Estejam bem-vindos, que comece a postação de todo mundo, com o objetivo de conhecermos os textos uns dos outros, e de quem mais nos queira ler.

abraços,
marília.